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Os avanços tecnológicos alteraram “radicalmente a nossa abordagem do intestino delgado”
sexta-feira, 20 novembro 2020 14:32

Os avanços tecnológicos alteraram “radicalmente a nossa abordagem do intestino delgado”

Começou hoje, dia 20 de novembro, aquele que é o maior evento a nível nacional na área da Gastrenterologia, a Semana Digestiva 2020 (SD2020), este ano em formato virtual. Em conversa com a News Farma, o Dr. Rolando Pinho, do Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho, adiantou as vantagens e os desafios que os avanços tecnológicos proporcionaram na abordagem à endoscopia do intestino delgado, em antecipação à mesa redonda “Endoscopia do intestino delgado – Otimização da tecnologia atual e novos avanços tecnológicos”, que irá moderar com a Dr.ª Cristina Chagas, do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental (CHLO).

News Farma (NF) | Qual importância dos novos avanços tecnológicos no contexto da endoscopia do intestino delgado?

Dr. Rolando Pinho (RP) | A avaliação e o tratamento endoscópico do intestino delgado beneficiaram de uma revolução disruptiva com a introdução de duas tecnologias endoscópicas – a enteroscopia por cápsula e a enteroscopia assistida por dispositivo. A primeira cápsula para estudo endoscópico do intestino delgado foi introduzida há já 20 anos. Apesar das várias limitações da cápsula inicial, tais como falhas técnicas frequentes, bateria com duração curta e má qualidade de imagem, a tecnologia foi imediatamente adoptada a nível mundial e também em Portugal, dado que permitiu a avaliação endoscópica fácil de um órgão até então inacessível. Os algoritmos de abordagem diagnóstica do intestino delgado mudaram logo radicalmente.

Um par de anos depois surge também o primeiro enteroscópio de duplo balão, também com algumas limitações no primeiro modelo existente em Portugal, como um canal de trabalho estreito de apenas 2.2 mm, o que limitava o número de acessórios disponíveis. No entanto, esta tecnologia mudou completamente a abordagem terapêutica do intestino delgado e um ano depois já tínhamos em Portugal um enteroscópio com canal de trabalho de 2.8 mm, que permitia a utilização de acessórios convencionais.

Ao longo dos últimos 20 anos, verificamos um avanço significativo em ambas as tecnologias. As cápsulas atuais são fiáveis, têm uma qualidade de imagem muito melhor e maior duração de bateria. Por outro lado, surgiram novos equipamentos para enteroscopia baseados em princípios de progressão diferentes, bem como enteroscópios com canais de trabalho mais largos (3.2 mm). São tecnologias ainda jovens, ainda em evolução.

NF | Quais os desafios atuais na prática clínica?

RP | Apesar destas tecnologias terem alterado radicalmente a nossa abordagem do intestino delgado, ainda têm algumas limitações. Enquanto não surgem melhorias técnicas, temos tentado optimizar a tecnologia existente.

Em relação à cápsula, verificamos que aspetos simples, como o timing da sua administração na hemorragia digestiva média, a utilização de procinéticos ou preparação entérica prévia à administração da cápsula podem melhorar o rendimento diagnóstico.

No que respeita a enteroscopia profunda, algumas melhorias no manuseio do equipamento como a utilização de CO2 ou minimizar a insuflação gasosa, bem como a realização precoce da enteroscopia no caso das hemorragias médias manifestas, têm também resultado em ganhos diagnósticos e terapêuticos.

NF | Que inovações são esperadas nos próximos anos no que toca a otimização da tecnologia atual?

RP | Em relação à cápsula endoscópica, além dos avanços que têm existido a nível da qualidade de imagem e de duração da bateria e que vão continuar a existir, existem novos campos para melhoria em investigação, desde formas de controlo do movimento da cápsula, até tentativas de utilizar a cápsula para terapêuticas dirigidas. Um dos grandes avanços tem sido a nível da inteligência artificial no processamento das imagens obtidas pela cápsula. Esta visa facilitar a análises dos largos milhares de imagens obtidas, quer eliminando imagens repetidas, quer selecionando automaticamente imagens com patologia.

Já a enteroscopia, o último equipamento lançado no mercado, permite uma progressão mais rápida e estável no intestino delgado, baseando-se num sobretubo espiral motorizado. Poderá ainda não estar indicado em todas as situações clínicas, sendo que nos próximos anos iremos ter dados sobre as suas vantagens e limitações na prática clínica.

NF | Portugal acompanha o estado da arte em matéria de tecnologia aplicada ao diagnóstico das patologias do intestino delgado?

RP | Sim, claramente. Portugal introduziu a cápsula endoscópica e a enteroscopia profunda na prática clínica rapidamente após a sua entrada no mercado, muito graças ao espírito visionário e entusiasta dos primeiros utilizadores, mas também porque vieram preencher um vazio e alteraram a abordagem do intestino delgado. Hoje em dia, a cápsula endoscópica está disponível na generalidade dos centros. Pela sua complexidade e especificidades, a enteroscopia assistida por dispositivos está disponível em determinados centros dispersos no país, para onde são referenciados os casos. Além disso, Portugal tem também tido participação ativa e regular em reuniões internacionais, nomeadamente ibéricas, dedicadas a esta tecnologia, e tem publicado vários artigos científicos sobre a sua utilização na prática clínica.